Suspeita-se que filho seja o culpado; mulher do diretor foi ferida e está internada
O cineasta Eduardo Coutinho, 80 anos, foi morto a facadas neste domingo (2) em seu apartamento no bairro da Lagoa, zona sul do Rio de Janeiro.
O principal suspeito é o filho do cineasta, que é esquizofrênico e também teria tentado esfaquear a mulher de Coutinho e, depois, tentado o suicídio.
Segundo informações de funcionário do Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, Daniel Coutinho e a mãe dele foram levados à unidade pelo Corpo de Bombeiros por volta das 15h. Ainda não há informações sobre o estado de saúde deles. O hospital não confirmou se divulgará um boletim médico.
Personagens anônimos
Um dos mais importantes cineastas do Brasil, Coutinho era famoso principalmente pelo trabalho como documentarista. É diretor de filmes como "Cabra Marcado Para Morrer", "Edifício Master", "Jogo de Cena" e "As Canções".
Em 2013, quando completou 80 anos, Coutinho foi tema de uma série de homenagens, entre elas uma mesa na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), uma retrospectiva na Mostra de Cinema de São Paulo e o lançamento de um livro, organizado por Milton Ohata, com textos dele e sobre ele.
Em uma carreira de mais de quatro décadas, Coutinho ouviu e deu voz a uma série de personagens anônimos e muito diferentes dele, sempre com notável respeito. Durante as filmagens, ele não desviava os olhos de seus personagens e os escutava atentamente.
"A conversa é uma troca que tem que ser feita face a face. Hoje em dia ninguém escuta ninguém, e já é assim há uns 20 anos", afirmou, durante debate na Mostra de São Paulo, em novembro. "Eu realmente escuto as pessoas, e talvez seja por isso que elas falam comigo. Minha vida depende disso. Eu preciso das pessoas - por profissão até."
Neste mesmo debate, em outubro de 2013, uma jovem que estava na plateia fez a Coutinho a pergunta que ele costumava fazer a seus entrevistados: "Você é feliz?"
Depois de qualificar a questão como "infelicíssima", ele respondeu: "Não sou feliz nem infeliz. Você pode dizer que está feliz, que está comendo um bolo e está gostando do bolo. Cinco minutos depois cai da escada", afirmou. "Eu posso dizer como está o mundo, não como é o mundo."
Ela então alterou a pergunta: Você está feliz? Coutinho então respondeu: "É bom, é bom. Sei lá."
"Cabra Marcado Para Morrer"
Eduardo Coutinho nasceu em São Paulo em 11 de maio de 1933. Começou a faculdade de Direito, mas não concluiu, ligando-se ao teatro e ao cinema ainda na juventude. Na década de 1960, integrou-se ao Centro Popular de Cultura da União dos Estudantes e começou a trabalhar no projeto que seria "Cabra Marcado Para Morrer".
Quando o projeto começou, no início dos anos 1960, pensava-se numa obra de ficção, em que camponeses reencenariam uma história real, a do líder camponês João Pedro Teixeira, fundador da Liga Camponesa de Sapé (PB), assassinado a mando de latifundiários em 1962.
Quando finalmente o cineasta conseguiu os recursos para a filmagem, produzida pelo Centro Popular de Cultura da UNE e o Movimento de Cultura Popular (PE), já era 1964. No meio das gravações, o projeto foi interrompido pela ditadura. Imagens e câmeras foram perdidas, membros da equipe foram presos ou tiveram de fugir, mas uma parte do material filmado foi preservado.
Forçado a abandonar o projeto, Coutinho passou a integrar a equipe do programa "Globo Repórter", da Rede Globo. Lá descobriu a vocação para o documentário, deixando para trás os filmes de ficção que, anos depois, renegou como parte desinteressante de sua filmografia.
Nos anos 1980, após a abertura política, Coutinho retomou o projeto de "Cabra Marcado para Morrer", combinando diferentes tempos narrativos: as imagens restantes do filme inicial de 1964 e novas gravações com os personagens, que reencontrou anos depois. O resultado foi um dos melhores e mais importantes documentários da história do País.
A partir daí, fez vários outros trabalhos elogiados, muitos sobre pessoas marginalizadas, como "Santa Marta" e "Boca do Liuxeo". Em "Edifício Master", contou a histõria dos moradores do tradicional prédio do Rio de Janeiro; em "Peões", falou sobre a classe operária do ABC paulista; mais recentemente, em "Jogo de Cena" e "Moscou", discutiu os limites entre ficção e realidade.
Seu filme mais recente, "As Canções", de 2011, é um dos mais emocionantes de sua carreira. Conversando com populares, Coutinho pedia que cada um cantasse a música de sua vida e explicasse o motivo da escolha. O filme funciona como um bom resumo do cinema do diretor: simples e sem artifícios.
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