Encontram-se nas escolas da Prefeitura de Goiânia, amostras dos livros didáticos recomendados pelo Ministério da Educação (MEC) para o ano de 2014, a fim de que sejam selecionados pelos professores das disciplinas. É provável que os mesmos livros estejam em mais prefeituras de Goiás e de outros estados. Pelo menos em Goiânia, a escolha tem sido dolorosa para educadores inconformados com a vontade de uma revolução silenciosa que se realiza pelo doutrinamento político, ideológico e de costumes perceptíveis em alguns desses livros.
Há
neles emprego de textos e imagens institucionais de programas sociais do
Governo; exaltação de figuras socialistas brasileiras e estrangeiras; promoção
do modelo socialista, relativista e sustentável de governar; releitura de
períodos econômicos e históricos da nação; sublimação de nomes importantes do
Governo; ironia a partido político oposicionista e dúvida sobre a capacidade de
decisão de membros da oposição. Mesmo que sejam pontuais, sutis ou implícitas,
ocorrências assim podem ser interpretadas como intencionais para formar opinião
política, partidária e ideológica a partir da escola.
Mas a tentativa do MEC de apontar rumos à opinião na escola não é nova. Em abril de 2011, ele quis enviar recursos didáticos voltados à afirmação homossexual para 6.000 escolas de ensino médio. Tratava-se de um estojo composto de três vídeos contando histórias fictícias de relacionamentos amorosos homossexuais, masculinos e femininos, acompanhados de um guia para orientação do professor. Apelidado na época de “kit gay”, o material foi elaborado pela organização não governamental Ecos – Comunicação em Sexualidade, em parceria com a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Teoricamente, serviria para combater o preconceito contra a pessoa homossexual na escola, mas foi entendido pelos seus opositores como indutor para a escolha de conduta sexual.
Esse
questionamento levantado pelas bancadas católica, evangélica e da família foi
levado à presidente Dilma Rousseff que, depois de assistir aos vídeos, vetou a
distribuição deles para as escolas. Um dos argumentos que motivou a decisão da
Presidente foi o reconhecimento da necessidade de enfrentar as diversas situações
de preconceito na escola, mas com abordagem diferente. Como se tratava de
material complementar que não respingava no conteúdo dos livros, não foi
difícil para o MEC cumprir a determinação presidencial. Na oportunidade, o
ministro Gilberto Carvalho prometeu às representações políticas que, dali em
diante, toda edição de material sobre “costumes” passaria antes pelo crivo da
Presidência e por um amplo debate com a sociedade civil.
Mas
o MEC ignorou o acordo e adaptou o projeto ao livro didático de 2014,
acrescentando o delicado tema da configuração familiar. Desse propósito de
desconstrução do modelo tradicional de família, não escapa nem mesmo o Plano
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), ao apresentar de maneira
lúdica as novas famílias para crianças com 8 anos de idade. Um dos livros traz
cinco gravuras de pares gays masculinos e femininos acompanhados de crianças, comumente
misturados aos modelos tradicionais de família. E este mesmo tema é recorrente
em livros para as idades subsequentes. Um exemplar para adolescentes de 14 anos
oferece dicas ao professor sobre maneiras criativas de auxiliar o aluno na
escolha da opção sexual, mudança de nome, e cirurgia para mudança de sexo. O
educador é orientado, inclusive, a montar estratégias de convencimento a partir
de comportamentos sexuais de pessoas que são conhecidas do grande público
através da mídia.
Caso
haja nova pressão política e a determinação presidencial se repita, não poderia
ser cumprida facilmente com o material didático do próximo ano visto que ele
foi cuidadosamente produzido para não sofrer alterações. Isto porque os temas
homossexuais e familiares não mais se apresentam separados do conjunto didático,
mas se misturam aos conteúdos de algumas disciplinas. Com isso, vale questionar
se a quebra da promessa presidencial de não promover padrões de comportamento,
ainda mais na escola, sem uma ampla discussão com a sociedade civil organizada foi
por conta e risco do MEC ou teve o aval do Planalto.
Ao
contrário do que pode pensar o MEC, estas mudanças produzem estranhamento entre
os professores. Por mais que ofereça cursos e palestras com a finalidade de
convencê-los e/ou convertê-los para essas ideias. É de se esperar que a proporção
de educadores contrários e favoráveis à inserção destes temas na educação
básica não seja diferente daquela encontrada na população. E, se estes livros
são capazes de chocar professores e familiares numa grande cidade, a exemplo de
Goiânia, não é difícil imaginar a dimensão do impacto que suas ideologias
poderão causar às famílias das pequenas cidades e povoados do interior
brasileiro, mais notadamente no sertão, cerrado, caatinga, pampa, pantanal, ribeirinhos
amazônidas, além de calungas e indígenas.
Mas
o Governo se propôs a uma revolução e acredita que ela possa ser operada por
meio de uma educação que subjetive as pessoas. Deve ser por isso que ele
investe no aparelhamento ideológico da escola e da universidade públicas para
que elas mesmas se incumbam de promover as mudanças por ele pretendidas na
mente da sociedade. Inclusive, o viés de abordagem dos temas transversais que
aparece nos livros é uma síntese de pesquisas, congressos, simpósios e
seminários da universidade. A tendência é que os livros didáticos para a escola
pública, que são recomendados pelo MEC, sirvam de parâmetro para o mercado
editorial como um todo e alcance também as escolas particulares, inclusive as
confessionais. Isto porque o milionário mercado dos livros didáticos e
paradidáticos vive ao sabor das conveniências, mesmo que elas movimentem a
sociedade para lugares estranhos.
Orley José da Silva, é professor em Goiânia;
mestre em letras e linguística (UFG)
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